11.11.11

Portais

Não fez barulho, tampouco foi visível.  Matrix.  Realidade e ficção lado a lado.  Como sempre foi. As engrenagens dos portais lubrificadas com sonhos, ambições, dejetos, experiências humanas.  O que lhe conferia um cheiro untuoso de secreções.  Que, tampouco, eram perceptíveis.

Aconteceria a cada ano, a cada dois anos, ou a cada século.  As opiniões diferiam.  Para alguns, os portais estavam abertos a todo o tempo.  Mas isto os impedia de experimentar a realidade.  Eram os visionários.

Os mais esotéricos aproveitaram para acender incensos.  Outros acenderam incensos para espantar insetos.  Outros só queriam saber de lucrar com o negócio da venda de incenso.  O mesmo fenômeno, mas com discrepantes interpretações.  O mesmo fenômeno?!?

O cheiro de incenso roubava das narinas a percepção intuitiva da abertura dos portais.  Ou será que traduziam, precisamente, este lapso único e encantado? O ser humano, cujo olfato é a percepção mais manca e canhestra, arrebatado por esta faculdade selvagem e reveladora.  Por isto era preciso decodificar o fenômeno por um queimar lento de massala. E que o enlevasse. 

Um menino tomado pela mão de seu pai, pergunta: e o que isto significa?  Posso fazer um pedido?  O pai diz - não, não é uma questão de fazer pedidos, é uma questão de iniciar alguma coisa e levar adiante.  Que coisa? - retorna o filho.  Qualquer uma, mas é preciso ter vontade e lutar. Mas não é sempre assim?  Vamos embora, vai começar a chover.

Quando começar a chover, não vá embora.  Fique.  É outro sinal da abertura do portal.  Mas ninguém vê. A chuva não serve só para vender guarda-chuvas, molhar as plantas, lavar o carro de quem não tem tempo de levá-lo ao lava-jato ou mostrar que o tempo passa enquanto os pingos prateados caem. Apesar de ser, também, tudo isto.

A chuva, como todos os fenômenos da (íntima) natureza são possibilidades de interação com o mundo imaginário.  Cada um tem uma interpretação diversa do mundo.  Basta que não neguemos que chove.
Esqueça o portal.  Deixe a Matrix para lá.  Não há mesmo como compreender o absurdo. 

Elejamos a pele como órgão privilegiado de contato com o mundo: tomar banho de chuva vale mais. 
  

Um comentário:

Anônimo disse...

De fato, alguns cogitaram que o dia de hoje, 11.11.11, teria uma energia ímpar.

Confirmando os bons presságios, eis que me deparo com mais um excelente texto!

Parabéns!