Não fez barulho, tampouco foi visível. Matrix. Realidade e ficção lado a lado. Como sempre foi. As engrenagens dos portais lubrificadas com sonhos, ambições, dejetos, experiências humanas. O que lhe conferia um cheiro untuoso de secreções. Que, tampouco, eram perceptíveis.
Aconteceria a cada ano, a cada dois anos, ou a cada século. As opiniões diferiam. Para alguns, os portais estavam abertos a todo o tempo. Mas isto os impedia de experimentar a realidade. Eram os visionários.
Os mais esotéricos aproveitaram para acender incensos. Outros acenderam incensos para espantar insetos. Outros só queriam saber de lucrar com o negócio da venda de incenso. O mesmo fenômeno, mas com discrepantes interpretações. O mesmo fenômeno?!?
O cheiro de incenso roubava das narinas a percepção intuitiva da abertura dos portais. Ou será que traduziam, precisamente, este lapso único e encantado? O ser humano, cujo olfato é a percepção mais manca e canhestra, arrebatado por esta faculdade selvagem e reveladora. Por isto era preciso decodificar o fenômeno por um queimar lento de massala. E que o enlevasse.
Um menino tomado pela mão de seu pai, pergunta: e o que isto significa? Posso fazer um pedido? O pai diz - não, não é uma questão de fazer pedidos, é uma questão de iniciar alguma coisa e levar adiante. Que coisa? - retorna o filho. Qualquer uma, mas é preciso ter vontade e lutar. Mas não é sempre assim? Vamos embora, vai começar a chover.
Quando começar a chover, não vá embora. Fique. É outro sinal da abertura do portal. Mas ninguém vê. A chuva não serve só para vender guarda-chuvas, molhar as plantas, lavar o carro de quem não tem tempo de levá-lo ao lava-jato ou mostrar que o tempo passa enquanto os pingos prateados caem. Apesar de ser, também, tudo isto.
A chuva, como todos os fenômenos da (íntima) natureza são possibilidades de interação com o mundo imaginário. Cada um tem uma interpretação diversa do mundo. Basta que não neguemos que chove.
Esqueça o portal. Deixe a Matrix para lá. Não há mesmo como compreender o absurdo.
Elejamos a pele como órgão privilegiado de contato com o mundo: tomar banho de chuva vale mais.
Um comentário:
De fato, alguns cogitaram que o dia de hoje, 11.11.11, teria uma energia ímpar.
Confirmando os bons presságios, eis que me deparo com mais um excelente texto!
Parabéns!
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