Você já teve um dia impublicável? Não?! Fale a verdade... claro que sim! Uma noite de perda total, de arrependimento puro, puríssimo? Um desejo inconfesso até para si mesmo?
Então responda rápido: O que você faria se fosse anônimo por um dia? Se fosse invisível por uma semana? Demorou demais!!!
Drummond dizia que o homem realmente bom é aquele que, uma vez invisível, faria exatamente a mesma coisa que faz quando visível. Drummond era poeta, além de ser grande. Para quem vive aqui embaixo mesmo dá uma vontade danada de ser invisível. Para ver o que não deveríamos ver, para ouvir o proibido e inenarrável, para sei lá o quê mais - e que é, em suma, para ser guardado.
Uma amiga minha preferiria ter o poder do teletransporte. Mas isto é muita fumaça acumulada no cérebro, frutos destes dias de trânsito estanque das marginais de São Paulo. Eu não, eu queria mesmo era ser invisível. Ser uma mosquinha não serve, que eu não compreenderia aquele olhar multifacetado dos insetos. Quero ver as coisas de um só lance, como se a realidade pudesse ser engolida subitamente. E tenho, ainda mais, a fantasia de que isto me faria mais feliz que triste: veja só que despautério!
Mas eu preciso contar um segredo: eu já fui invisível por um dia.
Sei que parece estranho, mas já me aconteceu. Estava ouvindo uma música chamada Astronomy Dominé, do Pink Floyd. Não tinha drogas nem transe, foi um fato: fiquei invisível. É bem verdade que o quarto estava escuro...
Sei que parece estranho, mas já me aconteceu. Eu era garçom numa churrascaria e uma senhora pisou no meu pé e não me pediu desculpas. Tem gente que não se (me) enxerga!
Já me aconteceu, acreditem. Eu andava nas ruas de São Paulo e tive uma convulsão. De algum modo, percebi que as pessoas se afastavam de mim e ninguém parou para me acudir. Alguém aí sabe o que é solidão? É isto.
Eu já fui impublicável por um dia. Mas é que não dá para contar - se desse, seria uma entre duas mentiras... Tem coisas que a gente não conta nem para a gente mesmo. Daí que o Quintana dizia que o psicanalista é uma espécie de Super Sherlock Holmes, pois que procura um fato que o próprio réu desconhece.
Perdoem-me, o que eu conto não tem nada de novo, eu sei. Mas sigamos em frente, para ver se descobrimos o que é que não se pode revelar.
Quantas pessoas já te pediram segredo? Não é um conflito? De um lado a curiosidade por saber da novidade, de outro a responsabilidade de manter o assunto incólume. Mas porque é que contam, se é para preservá-lo? Alguém já te contou que fez uma besteira realmente grande? Algo que não dá para imaginar?
Pois é, então deixe-me fazer um adendo: lembra-se daqueles três macaquinhos com olhos, ouvidos e boca ocultados? Nós, brasileiramente, os interpretamos como "não sei de nada, não vi nada, não falei nada". No simbolismo original, contudo, significa: "Não nego a existência do mal, mas não o reproduzirei, não lhe darei meus olhos, ouvidos ou boca". Não seria, desta feita, melhor que não soubéssemos dos segredos? Mas quem é que resiste, não sendo macaquinhos de madeira? Uma figura que conheci insistia: "Pode me contar o que quiser, mas lembre-se: não sou baú!".
Ter um segredo é um poder. Daí que soltar a língua e revelar um segredo pode ser - no extremo - um novo meio de se criar conexões que o mundo precisava para respirar (mas seja fofoqueiro por sua própria conta e risco!).
Pois é, então deixe-me fazer um adendo: lembra-se daqueles três macaquinhos com olhos, ouvidos e boca ocultados? Nós, brasileiramente, os interpretamos como "não sei de nada, não vi nada, não falei nada". No simbolismo original, contudo, significa: "Não nego a existência do mal, mas não o reproduzirei, não lhe darei meus olhos, ouvidos ou boca". Não seria, desta feita, melhor que não soubéssemos dos segredos? Mas quem é que resiste, não sendo macaquinhos de madeira? Uma figura que conheci insistia: "Pode me contar o que quiser, mas lembre-se: não sou baú!".
Ter um segredo é um poder. Daí que soltar a língua e revelar um segredo pode ser - no extremo - um novo meio de se criar conexões que o mundo precisava para respirar (mas seja fofoqueiro por sua própria conta e risco!).
Mas há outros poderes fascinantes - vejamos: O que você faria se ganhasse na loteria? E se o mundo fosse acabar? E se pudesse voar? E se pudesse ter qualquer superpoder, qual seria? Atravessar paredes, o dom da cura ou o de seduzir? Transmutar-se em qualquer forma, ser invisível, poder ficar sem dormir? Levitar, voar, ter o fôlego de uma baleia? Diga lá: qual desse seria sua escollha? Ser eleito sem saber ler ou escrever? Ou tem algum outro inconfesso que não foi listado? Fazer o tempo congelar ou voltar para trás? Não envelhecer, ter vida eterna? Escolha um só! Você seria feliz com este único dom a mais? Mesmo não podendo escolher mais de um?
Um poder só é muito, entretanto é muito pouco... O homem tem o dom de querer, de fato, o que não pode. Lembram do conto do Barba Azul? Não entre naquele quarto e a mulher vai lá e entra... E do Paraíso primordial: não coma esta fruta... Somos transgressores. Em qualquer mitologia que se queira buscar e em qualquer religião. E, mais próximo ainda de nós, em cada jornal. Descobrir que a terra é redonda e não plana foi uma transgressão. Descobrir que o homem pode ser feliz mesmo cá e não só no paraíso post mortem é uma rebelião (e foi, de fato). Mas a transgressão é, para o bem e para o mal, fundante do que mais somos.
Criamos redes sociais, transportes mais rápidos, modos artificiais de respirar embaixo d'água. Criamos espiões e aplicativos suspeitos e seus contrapartes de segurança. Novos recursos de diagnóstico e terapêutica, protetores para a pele, normas de higiene. Previsões para o tempo e para a expectativa de vida. Aeronaves e ultraleves, perfumes e danças. Novas maneiras de erotizar o corpo, sex-shops. Roupas de camuflagem para a guerra. Somos transgressores - mas ainda duvido que queiramos mais a invisibilidade que a visibilidade. Fazemos o que não podíamos até torná-lo, pela repetição, lícito, tradicional e instituído. Só não é impublicável porque é fato consumado.
Mas e se transgredíssemos nossas próprias fantasias e nos contentássemos com os mini poderes do cotidiano? O poder de se lambuzar ao comer uma manga madura e de sentir um prazer danado... A façanha de chegar em casa meia hora mais cedo e fazer uma surpresa a todos trazendo pão, presunto e queijo fresquinhos... O dom de dizer uma palavra amiga numa hora difícil ou de só ficar tranquilo segurando a mão de quem está sofrendo. O poder de ajudar alguém a fazer as malas para uma partida difícil. Ou simplesmente ter o dom de ficar quieto? E quieto no mais quieto de si, confortável em sua própria casa mais íntima? E ter a clareza de que tudo (ou quase) o que você sente é publicável?
Espremidos entre a fantasia impossível e o cotidiano previsível, temos a alternativa de transgressão ou de adaptação. Sugiro a adaptação através da transgressão. Tornar corriqueiro o não-manifesto. Fazer do impublicável a malha mesma com que se tece a colcha de retalhos do nosso mais inconfesso sonho: entre os queridos - e os nem tanto - envelhecer, envelhecer e, finalmente, envelhecer...
2 comentários:
Ola Hamer
Direto ao ponto com este Impublicável !!!!
Você deveria escrever todos os dias !!!!!
Beijos
Felicia
Hamer querido
No Sul, bem mais de dez minutos sob um frio FDP (impublicável) e sem cachecol...pensei em comentar seus bons escritos ao chegar em casa...
Pois bem, voce continua a escrever muito bem!
Abraço do Menezes
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