6.10.10

Dez minutos

Dê-me dez minutos enquanto faço uma ligação.  O mundo acontece em 10 minutos.  Número exacto, reto, indubitável.  Dê-me dez minutos e eu pedirei um pão de queijo com uma média.  Pedirei licença ao senhor da mesa da frente para emprestar uma cadeira.  Sente-se.

Dê-me dez minutos e eu te contarei alguns dos problemas mais graves da humanidade.  E te contarei algumas outras obviedades.  Dez minutos enquanto espero este trem que já está atrasado há mais de duas horas.  Dez minutos é um tempo que se multiplica em suas infinidades micrométricas.  O tempo se dobra em si mesmo e te pede que me conceda só estes dez minutos.

Em dez minutos permitirei que me mostre o espanto de qual se constrói cada uma de suas personas e te mostrarei que precisamos de muito tempo para nos conhecermos.  Tanto cada um a si mesmo, quanto entre nós mesmos.  Mas em dez minutos já se formam as primeiras impressões, talvez em muito menos tempo.  Dez minutos é a divisão exata entre o tempo micro e o tempo prático.  Dez minutos de espera já começa a irritar na fila da lotérica, na fila do banco. Qualquer tempo é macro para se perder em filas.

Em dez minutos Hernandez cometeu um crime e pegou sua rota de fuga.  Em outros dez minutos arrependeu-se.  Mas correm os anos e ele continua foragido.  Em dez minutos Armando roubou uma flor e foi correndo à casa da futura namorada atirar-lhe com um bilhetinho amarrado.  E em dez minutos mais ficou ali, morrendo de vergonha e pensando: "E agora, o que eu faço!" Foragido em si mesmo, percebeu que fizera uma doidera, mas que era a única coisa certa.

Em dez minutos um acionista ficará milionário e uma mulher sofrerá uma agressão.  Em dez minutos quantas crianças terão nascido?  Em dez minutos o assistente médico pedirá para revesar na massagem cardíaca daquele senhor que custa a reanimar.  Nos próximos dez, saberemos se ele continuará vivo ou não.

Em dez minutos este amargo da boca me será familiar.  Em dez minutos nos acostumamos com o inaceitável, com o malabarismo nos semáforos e com aquele cobertor esfarrapado sobre um pedaço de gente estirado na calçada.  Em dez minutos pensaremos que só nós mesmos é que sentimos frio.

Em dez minutos o mundo terá percorrido algumas centenas de milhares de quilômetros e não perceberemos.  E não perceberemos que o grosso do mundo, como o mais de quase-tudo, é imperceptível.  E em dez minutos, puxa, o que mais posso escrever?

Em dez minutos, arre!  Quanta coisa boa e ruim por acontecer?!  Me dê dez minutos e eu te mostrarei como é instável essa nossa construção louca e humana de nos apoiar nalgo que não tem qualquer dimensão: o tempo.  São só dez minutos, mas êta trem ardido!  


6 comentários:

Anônimo disse...

Olá Hamer,

A cada vez que leio seus textos me deparo com algumas questões que estão sempre presentes e ao mesmo tempo ausentes em nossas vidas.
Presentes pois simplesmente estão bem ali ao nosso lado, e ausentes pois devido a uma avalanche de circunstâncias, que nos envolve diariamente, (e que muitas vezes nos tomariam só 10 minutos!) ignoramos e não valorizamos.
Talvez não tenha o seu talento para descrever com tanta capacidade e de forma tão especial esses pequenos detalhes, que muitas vezes deixamos de notar, mas tenho feito um esforço grande para não ignorá-los e permitir que essas pequenas coisas tornem minha vida mais completa e com mais sentido...
Parabéns mais uma vez pela sua capacidade de descrever de forma tão delicada e bonita, e de nos fazer repensar que as pequenas coisas, muitas vezes, devem ser as mais importantes.
Beijos,
Dani Esquivel

Anônimo disse...

Hamer,
O poeta, psiquiatra e cronista da cidade.
Fiks

Anônimo disse...

Oi meu amigo querido, li seu novo texto em meu consultório , entre uma consulta e outra e tive dez minutos de prazer ao ler seu texto , continue assim me ofecendo momentos de distração e momentos de folga na minhas manhãs corridas cheias de 10 minutos

Um grande beijo
Família Telles

Anônimo disse...

Ampulheta cruel!
O tempo escorre
em menos
de
1
0
m
i
n
u
t
o
s
.
.
.

Anônimo disse...

Olá Hamer:

Obrigado por compartilhar comigo da sua fluidez e instanteneidade neste "mundo líquido".

abraços - Pessanha - Cajuru

Unknown disse...

Olá Hamer
Maravilha este texto !
Dez Minutos... parece pouco, mas realmente, quanta coisa acontece !
Beijos
Felicia