Dê-me dez minutos enquanto faço uma ligação. O mundo acontece em 10 minutos. Número exacto, reto, indubitável. Dê-me dez minutos e eu pedirei um pão de queijo com uma média. Pedirei licença ao senhor da mesa da frente para emprestar uma cadeira. Sente-se.
Dê-me dez minutos e eu te contarei alguns dos problemas mais graves da humanidade. E te contarei algumas outras obviedades. Dez minutos enquanto espero este trem que já está atrasado há mais de duas horas. Dez minutos é um tempo que se multiplica em suas infinidades micrométricas. O tempo se dobra em si mesmo e te pede que me conceda só estes dez minutos.
Em dez minutos permitirei que me mostre o espanto de qual se constrói cada uma de suas personas e te mostrarei que precisamos de muito tempo para nos conhecermos. Tanto cada um a si mesmo, quanto entre nós mesmos. Mas em dez minutos já se formam as primeiras impressões, talvez em muito menos tempo. Dez minutos é a divisão exata entre o tempo micro e o tempo prático. Dez minutos de espera já começa a irritar na fila da lotérica, na fila do banco. Qualquer tempo é macro para se perder em filas.
Em dez minutos Hernandez cometeu um crime e pegou sua rota de fuga. Em outros dez minutos arrependeu-se. Mas correm os anos e ele continua foragido. Em dez minutos Armando roubou uma flor e foi correndo à casa da futura namorada atirar-lhe com um bilhetinho amarrado. E em dez minutos mais ficou ali, morrendo de vergonha e pensando: "E agora, o que eu faço!" Foragido em si mesmo, percebeu que fizera uma doidera, mas que era a única coisa certa.
Em dez minutos um acionista ficará milionário e uma mulher sofrerá uma agressão. Em dez minutos quantas crianças terão nascido? Em dez minutos o assistente médico pedirá para revesar na massagem cardíaca daquele senhor que custa a reanimar. Nos próximos dez, saberemos se ele continuará vivo ou não.
Em dez minutos este amargo da boca me será familiar. Em dez minutos nos acostumamos com o inaceitável, com o malabarismo nos semáforos e com aquele cobertor esfarrapado sobre um pedaço de gente estirado na calçada. Em dez minutos pensaremos que só nós mesmos é que sentimos frio.
Em dez minutos o mundo terá percorrido algumas centenas de milhares de quilômetros e não perceberemos. E não perceberemos que o grosso do mundo, como o mais de quase-tudo, é imperceptível. E em dez minutos, puxa, o que mais posso escrever?
Em dez minutos, arre! Quanta coisa boa e ruim por acontecer?! Me dê dez minutos e eu te mostrarei como é instável essa nossa construção louca e humana de nos apoiar nalgo que não tem qualquer dimensão: o tempo. São só dez minutos, mas êta trem ardido!
6 comentários:
Olá Hamer,
A cada vez que leio seus textos me deparo com algumas questões que estão sempre presentes e ao mesmo tempo ausentes em nossas vidas.
Presentes pois simplesmente estão bem ali ao nosso lado, e ausentes pois devido a uma avalanche de circunstâncias, que nos envolve diariamente, (e que muitas vezes nos tomariam só 10 minutos!) ignoramos e não valorizamos.
Talvez não tenha o seu talento para descrever com tanta capacidade e de forma tão especial esses pequenos detalhes, que muitas vezes deixamos de notar, mas tenho feito um esforço grande para não ignorá-los e permitir que essas pequenas coisas tornem minha vida mais completa e com mais sentido...
Parabéns mais uma vez pela sua capacidade de descrever de forma tão delicada e bonita, e de nos fazer repensar que as pequenas coisas, muitas vezes, devem ser as mais importantes.
Beijos,
Dani Esquivel
Hamer,
O poeta, psiquiatra e cronista da cidade.
Fiks
Oi meu amigo querido, li seu novo texto em meu consultório , entre uma consulta e outra e tive dez minutos de prazer ao ler seu texto , continue assim me ofecendo momentos de distração e momentos de folga na minhas manhãs corridas cheias de 10 minutos
Um grande beijo
Família Telles
Ampulheta cruel!
O tempo escorre
em menos
de
1
0
m
i
n
u
t
o
s
.
.
.
Olá Hamer:
Obrigado por compartilhar comigo da sua fluidez e instanteneidade neste "mundo líquido".
abraços - Pessanha - Cajuru
Olá Hamer
Maravilha este texto !
Dez Minutos... parece pouco, mas realmente, quanta coisa acontece !
Beijos
Felicia
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