24.3.11

Como posso?

O que aconteceu é que estava procurando a solução para instalação de um módulo de segurança no computador.  E aí, como todo sujeito mais ou menos conectado (mais para menos?) e distraído (mais para mais?), recorri ao avô dos burros, o Google. 

E comecei a digitar: Como posso... e então, não mais que de repente, na tentativa de adivinhar minha pergunta, o oráculo digital sugeriu dez possibilidades, que são as questões mais feitas pelos internautas.  Em meio a meu pasmo, refleti que aquela lista de interesses reflete o que muitas pessoas buscam saber e, enfim, seus desejos. 

Óbvio que não vai, nisso, nenhuma preocupação metodológica, apenas uns palpites à beira do cair da tarde na paulicéia chuvosa.  Já aviso que é tudo culpa da chuva...  Nesta hora grafite onde muita gente boa está trabalhando e eu encontrei uma brecha para ficar à toa.

E quais as perguntas mais frequentes?
Como posso engravidar, fazer para engravidar ou saber se estou grávida?  Quatro das dez perguntas.
Como posso fazer um msn, um orkut, saber quem me bloqueou no msn? Três perguntas.
Como posso emagrecer? Uma.
Como posso me calar? Uma.
Como posso ser feliz? Uma.

Então aconteceu comigo uma coisa bem mais interessante: eu, que procurava uma solução besta para um problema de um software, me deparo, de bandeja, com o que as pessoas mais desejam (ou temem).  

Muitos podem contra-argumentar que seria uma análise equivocada, já que os jovens e os adultos-jovens são os maiores usuários de internet.  Ok, e daí?  Não são os jovens que ditam a tônica de uma época e seus novos paradigmas?

Ainda que as perguntas falem por si, vale alguns comentários: 

As ferramentas tecnológicas são úteis para combater os dramas humanos.  O compartilhamento de informações serve como um conselheiro digital, até como confessionário.  Trocam-se experiências, dúvidas, medos.  Anônimos postam comentários como quem lança uma garrafa ao mar.  

A interconectividade transcende espaço, já que pode ser acessada praticamente de qualquer lugar e a qualquer hora. Supera espaço, já que um escreve conforme sua conveniência e outro lê conforme sua conveniência. Cada um em seu tempo. Resta saber se à tela do computador e à sua exuberante praticidade não faltam o alento do olhar nos olhos e do toque da mão quente no antebraço a inquirir: "Você está bem?"

A tecnologia pode servir justamente para o contrário: aumentar o sofrimento.  Sua mão fria e inexistente, o afã insensato de validade de muitas de suas respostas descompromissadas, o lado perverso do anonimato pseudo-libertário: o que disso nos alivia em momento de real angústia? As respostas para os grandes dramas vivenciais estão na internet?  Pode ser que sim, mas com tantas páginas, onde começar a procurar?  Não parece uma multiplicação desnecessária do mundo real? 

Queremos gerar vida e temos medo disso.  Temos medo de nosso desejo (jargão repetido e provado por a+b e c+d).  Queremos engravidar, temos medo de engravidar.  O que é buscado à exaustão em um momento é o terror em outro.   Na juventude não estamos prontos, pois precisamos conquistar o mundo.  Na adultice queremos gozá-lo, mas não dá para engravidar na velhice.  E a conta não fecha.  Fico pensando se melhor pergunta não seria: quando devo engravidar?  Mas disso não sei nada, mulher é outros quinhentos e ainda não teve quem conseguisse desvendar um milésimo de seus mistérios...  (Talvez a resposta deva ser conquistada artesanalmente, para cada casal).

Queremos pertencer às redes sociais.  Reais e virtuais.  E temos medo de receber um "unfollow".  Uma cientista cognitivista da University College of London, Stefana Broadbent, observou que as pessoas tem, em média, 120 amigos no Facebook (site mais acessado da atualidade, à frente do Google), mas, de fato, mantém contato com quatro a seis pessoas diariamente.  Queremos aceitação e socialização mas, paradoxalmente, intimidade e cumplicidade.  São e serão sempre as mesmas pessoas.  Pois vínculo é algo para ser regado diariamente.   Uma mensagem de boa noite não comunica nada.  Apenas transmite afeto.  E ponto.

As pessoas querem ter controle sobre o corpo, sobre o estado de espírito e sobre a fala.  E isto não é fácil, senão não perguntaríamos para o oráculo moderno, Google Search.  Controlar o apetite do corpo, o apetite da alma em ser feliz e o desejo de falar e se expressar. A comunicação externa é obstáculo para o silêncio do espírito. 

Gostaríamos de ser mais controlados mas o que faz de nós, seres humanos, em última instância, maximamente amáveis é justamente nosso descontrole, nosso descompasso, nosso desvario. "Amo, em ti, o grande desafio que me lança para continuar a amar-te".

Como ser feliz? Realizando o que os nossos desejos (coletividade em que nos tornamos) nos impõem: é preciso gerar vida, viver em rede, fechar a boca e, enfim, ser feliz.  E amar no outro, como em si próprio, nossa tenebrosa perplexidade com a total ausência de respostas... 

Termino de escrever e o grafite dá espaço a um tom laranja nas paredes do prédio ao lado.  Saúdo este contra-Sol com meu pensamento derradeiro do dia:

Nos mares modernos, como nos antigos, as garrafas acabam voltando para quem as lançou...


2 comentários:

Anônimo disse...

tudo lindo por aqui, uma alma apaziguadora, abs, Flávia.

Anônimo disse...

E a mesma Stefana Broadbent, para o seu estudo, precisou responder a outra pergunta oracular: qual a definição de amigo?
Ela considerou amigo aquele com o qual mantemos contato ao menos 1 vez ao ano. Ou seja, se eu te digo 'oi, H!' lá de longe, dos confins digitais, já sou cadastrada como amiga.
Mas pensando bem, a amizade, vista assim de forma condescendente, se torna frágil. Tanto quanto as redes tecidas por esse tipo de amizade.
Afinal, o que é amizade?

bj
L.