31.1.11

Outras ruas paulistanas...


(...uma homenagem à capital pela voz dos taxistas paulistanos)
"...é um negócio absurdo este trânsito da 23 de maio, chega nesta hora, nesta época do ano, tem que ter muita paciência.  Outro dia vi um cara quase entrando debaixo de um caminhão, porque tava escrevendo mensagem de texto no celular.  Vê se pode!? Essa loucura toda, nesta chuva e o sujeito inventa de escrever mensagem no celular!?  Aí também não dá, né?"
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"...e essa molecada no semáforo?  É um descaso sem jeito, é um crime.  E os velhacos lá em cima cada vez mais gordos e mais ricos, só viajando de jatinho e comprando passagem de primeira classe pra familiada toda.  Esses malabaristas-mirim são um soco no estômago do brasileiro.  Sem contar que tem uns marmanjos que ficam fazendo disto uma indústria... Eu fico pensando se já não estão todos no crack.... Fazer o quê?  Rezar?!  Acho que nem isto adianta mais..."
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"...nesta época do ano a coisa fica um pouquinho melhor: muita gente de férias, a molecada fazendo festa no litoral, o movimento das empresas diminui.  Aí eu também aproveito para trabalhar um pouquinho menos, levar a patroa no cinema, que ela gosta de ver filme e ainda não assistiu aquele Tropa de Elite 2, você já viu?  É, também já me falaram muito bem, aquele cara é fera...(...)...  Mas depois chega o finalzinho de janeiro e a cidade desperta de novo.  Agora tem que torcer pra não ter enchente senão ferra tudo.  Uma vez fiquei 6 horas parado no mesmo lugar na Marginal, sem poder ir para frente ou para trás.  E o duro é que a gente acaba gostando disso aqui, entende?  Tem oportunidade de trabalho para todo mundo, os moleques tem estudo, quando dá a gente faz um bate-e-volta para a praia..."
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"...eu cheguei aqui aos treze anos, em 1973, lá se vão quantos anos? Pois é, faz as contas aí... e desde 78 aqui na boléia.  Férias só quinze dias por ano.  O resto é aqui, ó, atrás do volante. Já vi coisas que é até difícil de acreditar.  Acidentes, briga na rua, gente importante perdendo a classe por besteira... Essa cidade é uma loucura.  Eu quero logo é poder sair daqui.  Meu irmão tem um negócio no interior de Minas, de venda de tecidos, eu pretendo trabalhar até o final do ano que vem para juntar dinheiro e zarpar para lá...  Aí vou deixar isto aí tudo que você tá vendo para vocês cuidarem, hehehe!"
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"...eu gosto de trabalhar é de noite.  Você já viu como a cidade é bonita à noite?  É verdade!  A gente tá sempre apressado, mas São Paulo tem algumas coisas de deixar de boca aberta.  Eu gosto de andar ali perto do Pacaembu, e também andar na Paulista, ainda mais agora com esta iluminação nova, tem gente que se encoraja de andar até mais tarde.  Eu não tenho medo da noite.  Hoje qualquer hora é hora.  O negócio é ficar atento, mas também prestar atenção no lado belo da cidade..."
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"outro dia entrou um cara me pedindo para levar lá para a Zona Norte.  Eu fiquei meio desconfiado com a aparência do sujeito.  Ele mandou tocar, cheguei mais ou menos onde ele queria, e ele mandou continuar.  Meu coração já começou a dar aquela disparada... Vire ali, e depois à direita.  E não chegava o raio do destino.  Pensei comigo: Valei-me, Deus!  E fui, tentando aparentar naturalidade.  E andei mais um quinze minutos depois do que ele me pediu. Chegando no lugar de destino ele abriu a bolsa, tirou duas notas de 50 e ainda me deu uma de 20 de brinde. E disse: "Desculpe não ter falado o lugar exato, é que quando eu falo, ninguém quer me trazer..." Aí eu vi que não tem jeito mesmo, nós somos um bicho preconceituoso pácas"
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"Eu? Sou, sou do Norte, tô vindo do Pará.  Você me explica como chega em Congonhas?  Eu ainda não sei direito... É, é verdade, melhor comprar um GPS.  Mas o problema é que o GPS é cheio de falhas e se você ficar muito dependente dele, acaba não aprendendo a andar na cidade.  Não, eu vim sozinho, minha família só chega no final do ano, tenho um menino e uma menina e a minha senhora está grávida do terceiro.  Este táxi é do meu tio, ele trabalha de noite e me cedeu para eu trabalhar de manhã, só tenho que pagar metade do que o pessoal geralmente paga para alugar por semana, ele está quebrando um galho danado para mim, você nem imagina... É, vamos ver, eu tenho muita esperança de ser feliz aqui, dizem que é a terra das oportunidades, né?  É rezar, trabalhar e esperar..."
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"É isto mesmo: dia de jogo não tem o que reclamar - é cenhão a corrida e sem recibo, se quiser pode procurar outro táxi.  O quê? E eu, playboy, que fiquei mais de uma hora esperando aqui nesta fila enquanto a belezura tava lá dentro se divertindo?!"
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"São Paulo é o seguinte: é olho pra frente, no retrovisor, paciência, paciência e paciência.  Depois disso, mais paciência.  Eu, particularmente, gosto muito disso aqui.  Tem um certo desafio de você dominar a cidade, sabe como é que é?  Aí dá a impressão que você tem um poder diferente, sabe se desenrolar aqui no meio deste mundaréu.  É a maior cidade do hemisfério Sul, não é verdade?  E é a cidade mais brasileira que existe: mineiros, gaúchos, nordestinos, gente de tudo quanto é lado.  Até paulistano tem aqui, se você procurar bem.  Sem contar o meu time do coração, não é verdade?  Qual é?  O que você acha?  Claro, né?! Olha para a minha cara! Só podia ser!"
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Sei lá como fazer uma homenagem para Sampa, então botei este tanto de personagens meio reais, meio fictícios.  Acho que só assim mesmo para gostarmos desta cidade do jeito que ela realmente é: mais que real, mais que imaginária.  Incorreta, esperançosa, medrosa, acelerada, cosmopolita, indispensável.  Como seus taxistas.  Como os clientes que eles carregam.  Uma colcha de retalhos costurada com pressa, agulha grossa e uma só pitada de sensibilidade - que é preciso ter ainda mais sensibilidade para senti-la. Queria escrever mais, mas não dá, nunca dá. (E por que é que a gente sempre acha que amanhã vai ser diferente? Tá no céu cinza da cidade ou em nossos genes?) É sempre assim. Sampa me chama, tenho que ir correndo... 
"Táxi!!!"

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