4.11.10

Quando precisei de sabedoria

Quando precisei de sabedoria fiquei em silêncio,
Busquei os mestres da meditação, os livros de auto-ajuda,
Experimentei temperos e tentei posturas do yoga,
Traduzi livros de línguas arcaicas e consultei dicionários on-line
Escrevi sem me dar conta de mim mesmo 
E busquei a via do excesso


Mas...


Quando precisei de sabedoria corri e gritei,
Busquei bálsamos para o corpo e calma, 
Banhos de lama, incensos, ofurôs e cirurgiões plásticos,
Shi-atsu, quiropráticos, madames das casas de tolerância,
Conselheiros, poetas, religiosos e cientistas
Tornei-me um ermitão, um cínico


Mas nada...


Quando precisei de sabedoria fiz aulas de canto,
Viajei pela Ásia, aprendi a cozinhar, reli os clássicos,
Visitei sarcófagos e o Taj Mahal, senti inveja, asco,
Perdoei-me e despi-me, senti calor, frio, cansaço,
Arrependi-me e confessei-me, senti alívio passageiro,
Procurei isolar-me no conhecimento e não atendi o telefone


Mas nada me salvou...


Quando precisei de sabedoria visitei um cemitério,
Levei flores e água benta, tentei aprender a rezar,
Alonguei-me, corri de bicicleta e, olhos fechados, soltei as mãos 
Olhei para além do sujeito no espelho e o inquiri,
Vomitei meu orgulho e reaprendi lições de esperança,
Candidatei-me a prefeito e perdi a eleição


Mas nada me salvou do inferno...


Quando precisei de sabedoria busquei um golpe último,
E recordei-me da infância e das pessoas sábias de outrora,
E do sorriso largo de quem me acolheu com alma aberta,
Das lições de caligrafia e do carinho que é ser abraçado,
Resgatei a alquimia do olhar e, fôlego único, engoli minhas mágoas
Escarafunchei, nas lembranças, o poder de transformar o real


Mas nada me salvou do inferno que é conviver...


Daí que há sabedoria em quem, talvez supra-humano,
Talvez nossa própria carne empilhada em circuitos nervosos
Nos deixou sem outras oportunidades de buscar sabedoria 
Além dos caminhos tortuosos e espinhosos
Rumo a admitir, desolada ou assertivamente,
Que a salvação do inferno que é conviver, amar e fenecer


É só esta mesma: conviver, amar e fenecer.

9 comentários:

Fernando Chuí disse...

Hamertz,
Sabedoria realmente não deveria ser buscada em momentos de crise; ela deveria ser cultivada como quem escreve um livro, este que não pode ser aberto antes de ser escrito.
E escrever é isso, empilhar nossa carne em circuitos nervosos, enervar circuitos em nossa pilhas de carne, encarnar nossas pilhas de nervos em circuitos sem nome.
Sabedoria é o nome que se dá às palavras que trazem calor nos dias de frio. Viver é jamais saber. Lindo texto.
abs,
Chuí

Anônimo disse...

Contundente & contumaz.

Rosa disse...

Sabedoria é isso. Tocar a alma com palavras certas.
Lindo texto!

Rosa

Anônimo disse...

Hamer

Talvez haja uma gradação: dado, informação conhecimento, inteligência, sabedoria. Na falta desta última, há circunstâncias em que as demais não bastam.
Aí é preciso ser zen, especialmente zen pressa...

Abraço

Menezes

Hamer Palhares disse...

Menezes,

Zen pressa foi ótimo!
Abraço,

Hamer

Hamer Palhares disse...

Chuí,

Buscar a sabedoria é como rezar: a gente se lembra mesmo quando o calo aperta. Apesar de o melhor ser no dia-a-dia, zen pressa.
Abç,

Hamer

Anônimo disse...

que bom estava sentindo falta

Anônimo disse...

Hamer,

Obrigada por partilhar seus pensamentos, reflexões e criações!
Continuo aprendendo com vc.

Abraços

Jumara

Anônimo disse...

Texto exurbitante neste blogue, visões assim destacam ao indivíduo que reflectir neste blog .....
Faz muito mais do teu web site, aos teus leitores.