3.3.10

Adolescência e drogas.


(Texto publicado na edição da Revista Ser Médico - 
Edição 50, de jan/fev/mar de 2010)


"Nossos adolescentes atuais parecem amar o luxo. Têm maus modos e desprezam a autoridade. São irrespeitosos com os adultos e passam o tempo vagando nas praças, mexericando entre eles. São inclinados a contradizer seus pais, monopolizam a conversa quando estão em companhia de outras pessoas mais velhas; comem com voracidade e tiranizam os seus mestres.”


Embora pareça atual, esta observação foi feita por Sócrates há mais de 2.500 anos e ilustra o muito que já se falou sobre o assunto. Além de período de tomadas de decisões, a adolescência é uma fase de vulnerabilidades e oportunidades. Rondam-na, ao mesmo tempo, a sorte e o perigo. É, também, a de maior aprendizado da vida, marcada pela criatividade, expansão dos horizontes, esperança e experimentação. No aspecto neurológico, há intensa poda e reconexão neuronal. O desenvolvimento de novas conexões conduz, para o bem e para o mal, à fixação de comportamentos ou habilidades.

O adolescente está propenso aos novos contatos, ao descobrimento do amor e das habilidades musicais e artísticas, do sexo e, infelizmente, do álcool, tabaco e outras drogas. A impulsividade, a inexperiência e a receptividade intrépida aos desafios podem levar a consequências indesejadas, como a gravidez precoce, acidentes automobilísticos e brigas corporais. Some-se a isso a pressão de grupos para condutas de riscos e o silêncio dos pais, muitas vezes descritos como amigões e camaradas – ledo engano. Aos pais não cabe apenas o papel de bom amigo. A vida gera frustrações, e privar o adolescente de ouvir “não” é uma forma eficiente de conduzi-lo a tombos maiores no futuro. E os pais devem saber dar exemplos – mais que com palavras – com o seu próprio comportamento.

Se a adolescência é, por si, uma fase preocupante desde Sócrates, a constatação atual de muitos estudos sobre o consumo de álcool a transformou em um grave problema de saúde pública. A idade de início de consumo vem caindo a cada levantamento. Quanto mais precoce o contato com álcool, maior a possibilidade de o relacionamento com a bebida evoluir a um padrão nocivo e o risco de dependência e desenvolvimento de doença crônica – prevalente em cerca de 10% da população brasileira, em alguma fase da vida. E mais, aumenta o risco de tabagismo – que leva à redução média de 10 anos na expectativa de vida – e a chance de consumo de outras drogas, como maconha e cocaína, entre outras.


Adolescentes conseguem comprar cigarros e bebidas com facilidade, apesar das leis que proíbem venda a menores


Estatísticas do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid ) e da Organização Mundial de Saúde (OMS) alertam para o fato de que os jovens bebem frequentemente e desde muito cedo. Dados do Cebrid apontam que 42% das crianças entre 10 e 12 anos já experimentaram álcool. Pesquisa recente sobre o consumo

 de drogas em populações de risco, do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras drogas (Cratod), revelou que seu uso começou aos 7, 8 ou 9 anos! Nessa população, o álcool e o tabaco geralmente apresentaram-se como precursores de drogas ilícitas como a maconha e o crack. Levantamento nacional da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) da Unifesp indica que as meninas já bebem tão frequentemente quanto os garotos. Nessa fase, o padrão frequente de ingestão é de cinco unidades de álcool por ocasião ou quatro, para mulheres – que são mais vulneráveis aos seus efeitos nocivos e à dependência. Cada unidade equivale a 10 gramas de álcool. O consumo nesse padrão pode prejudicar a tomada de decisões e o desempenho escolar, além de favorecer o envolvimento em brigas, a experimentação de outras drogas e a prática de sexo inseguro, aumentando o risco de DSTs e gravidez indesejada.


Segundo o National Institute of Health, a idade média de primeiro consumo vem caindo – de 17 anos em 1987, para 15 em 1996 e, finalmente, para 13 em 2003! Estamos falando de uma doença pediátrica e há fortes motivos para pensar que o mesmo ocorra no Brasil. E, talvez, até de maneira mais dramática, visto que não há fiscalização (apenas leis) sobre a venda de bebida aos menores.

Um estudo conduzido pela psicóloga Denise Leite Vieiraindica que o início do consumo de álcool ocorre na própria casa. Aos pais que pensam ser melhor às crianças beberem sob supervisão, o correto é criança não beber. Também cabe à sociedade exercer controle sobre o consumo de álcool pela exigência de políticas públicas. A proibição da propaganda, a redução de pontos de venda e o aumento do preço das bebidas demonstram certa eficiência nesse controle em alguns países, embora o Brasil, nada tenha feito nesse sentido. Amparada em altos lucros e poderosas ferramentas de comunicação, a propaganda de bebidas goza de relativa liberdade no país. Além disso, é praticamente impossível andar mais de 500 metros, em qualquer cidade brasileira, sem encontrar um ponto de venda de bebida. Sem contar que um litro de aguardente tem preço inferior a um litro de álcool combustível. Estudos em duas cidades paulistas de características diferentes, Diadema e Paulínia, tiveram resultados semelhantes em relação à probabilidade de um adolescente de 15 anos (aparentando a idade real) conseguir comprar bebida alcoólica em estabelecimentos comerciais. Cerca de 90% dos jovens conseguiram fazê-lo e, na maioria das vezes, sem a solicitação de quaisquer documentos.

A proibição de venda de bebidas a menores é largamente descumprida. Uma lei só será respeitada se bem fiscalizada e a sociedade cobrar seu cumprimento. É frustrante, nesse sentido, observar que a fiscalização da lei que versa sobre o beber e dirigir seja mais branda atualmente. A fiscalização intensa no início de sua vigência poupou muitas vidas, principalmente de adolescentes que misturam a inabilidade na direção com o binge drinking (uso excessivo de álcool em uma única situação).

O efeito da propaganda sobre o comportamento adolescente é bem documentado e motivo de preocupação da comunidade médica mundial. Embora a indústria do álcool e tabaco argumente o contrário, sua publicidade é dirigida às crianças e jovens, com forte apelo emocional, que envolve elementos associados ao glamour, alegria, festa, popularidade, maior poder de conquista etc. Frequentemente, utiliza ícones do esporte, da música e da cultura popular como garotos-propaganda.

Em relação ao álcool, seria um avanço acompanhar a política adotada contra o tabagismo, que foi reduzido à metade no Brasil em 15 anos. As leis foram mais claras e coibiram a propaganda de tabaco vinculada aos esportes e eventos culturais. No entanto, a poderosa indústria do álcool conseguiu que a proibição da propaganda de bebidas se restringisse àquelas de teor alcoólico superior a 13 GLs. A recente notícia de que uma marca de cerveja brasileira patrocinará a Copa do Mundo de 2014 é um revés duro para a saúde pública.

Ainda em relação ao tabagismo, a sociedade foi muito ativa no cumprimento da recente lei antifumo e cada cidadão passou a ser um fiscal, pois a percepção dos benefícios foi imediata, mesmo entre a maioria dos fumantes. Proteger adolescentes que começam a fumar em festas e casas noturnas – por pressão do grupo ou “apelo” social –, além dos trabalhadores nesses ambientes, constituiu uma dupla vitória. Mas ainda não podemos comemorar: embora a venda de cigarros seja proibida para menores, a prevalência de tabagistas entre adolescentes de 17 anos já é quase igual à da população adulta, indicando que essa lei, assim como a do álcool, também é largamente descumprida.

Há esperanças? Sim, as estatísticas sugerem que a maioria dos jovens não evoluirá para padrões problemáticos de consumo de álcool. Mas uma grande parcela poderia estar melhor protegida se houvesse medidas efetivas de prevenção seletiva (como a detecção precoce) e universal (bloqueio de propaganda, por exemplo).

É fundamental compreender a adolescência como uma fase em si, e não apenas uma transição entre outras duas, bem definidas – infância e vida adulta. Compreendê-la e abordá-la requer atitude positiva, na qual o termo “aborrecente” não apenas se revela inútil, mas cheio de preconceitos que tendem a aumentar a incompreensão entre gerações. O adolescente não é uma criança em corpo de gente grande ou um adulto que, às vezes, age impulsivamente. É um adolescente, com crises, glórias, preocupações e ambições. Um novo modo de olhar esse jovem, caso queiramos abordá-lo, deveria começar pelo maior interesse em que se cumpram as leis já existentes para protegê-lo, o que dificilmente será conseguido com um discurso frio e austero. Sem cercear a felicidade ou a liberdade do adolescente, essa preocupação deve fundamentar-se na preservação de seu potencial, na promoção de um estilo de vida saudável e na proteção da exposição precoce ao uso de substâncias psicoativas.

5 comentários:

Denise disse...

UAU!!! Quase caio da cadeira... Tomei um susto... e com destaque.... tô passada...
Que honra!
Obrigada!
Beijoca

Hamer Palhares disse...

Denise,

Eu é quem agradeço!
Bj,

Hamer

Fiks disse...

Querido Hamer,
Tenho lido seus textos.
Entre as reflexões de um psiquiatra e as reflexões de um não paulistano totalmente paulistano que quer ver e viver o melhor de sua cidade fico com todos.
Adorei a franqueza e a clareza de seu texto na Ser médico deste mes.
Abraços,
Fiks

Hamer Palhares disse...

Caro Fiks,

Que bom!
Fico feliz que nos encontremos por aqui.
Abraços,

Hamer

Pessanha Jr. disse...

Olá Caríssimo:

Ainda há pouco, li a revista SER MÉDICO, onde traz um artigo seu - Adolescência e álcool - não misture.
Ótimo artigo!
Gostaria mesmo é de mostrá-lo para todos do meu relacionamento pessoal e profissional.
Veja como muitas vezes, dizendo de formas diferentes, fico feliz em compartilhar ensinamentos e opiniões. Como já comentei, tenho um artigo no jornal semanal da cidade - O JORNALZÃO - intitulado como SINAPSE - onde transcrevo artigos sobre dependência química, de fontes seguras e variadas; ocasionalmente fazendo um artigo assinado por mim. No último final de semana, dia 6, optei por colocar em vez de artigo, uma nota que pudesse chamar a atenção pontualmente:

"Se você bebe, como quer que seu filho não beba?
O exemplo funciona muito melhor que o conselho.
Certamente a vida com atos moderados possa servir de inspiração para os que nos tem como exemplo.
Cada um de nós pode fazer a diferença para diminuir as estatísticas do alcoolismo, que hoje é uma questão de saúde pública.
O Ambulatório de Saúde Mental "dona Fifia" acredita em mudanças de hábito como parte da terapêutica da dependência química".

Continuo atento em seus ensinamentos!

grande abraço e obrigado

Pessanha Jr. - Cajuru