22.10.11

Tapioca

O medo da vida veio
Quando andava pela Paulista
Veio o medo quando tomava um táxi
O medo do flanelinha, da criança no semáforo
Veio como todo o medo: forte e irracional
Irracional pois forte - e vice-versa
Em sua dupla natureza: vida de medo.

E multimodal: medo do ridículo, do tempo
Da fome, fissura, estresse, da solidão
E pior: da intimidade
Quando veio o medo da vida, sentiu um frio
Na Espinha: um punhal, maçarico
Flecha emborcada em curare
E paralisou-se - à mercê do medo:
É costume do medo banquetear-se

Benzedeiras, padres, pastores, amigos
Todos, tragados pelas engrenagens afiadas
Óleo, dejetos, excrescências do medo
O medo da vida era o pior dentre todos
Ao se travestir de medo da morte
E gargalhar-se à beira da apoplexia
O medo da vida atacava quando bebia
Uma xícara de leite

Tinha gosto de polpa de goiaba branca
Face sem contornos da cegueira
De si mesmo, saía e confluía
Consistência pastosa e inerte
Parecia voar, mas era um rodear
Em torna do cotidiano que bloqueava
Fingia-se um espírito de fora
A pôr em xeque a íntima chama

Transmutado em ciúmes, continuava
Alimentado pelo tédio, vicejava
Rosnava de satisfação incensado pela ira
E fazia temer o lugar comum
E os lugares amplos,
Soava o toque de recolher
E fazia crer que o melhor era anular-se
O esconderijo do diabo é a certeza

Só quando tocou o umbigo rugoso de sua mão
No imo essencial do núcleo da outra mão quente
A caminhar, pela Paulista
Foi que o frio na espinha
Não era mais medo da vida,
Era outro e oposto desfalecer
Cítrico, aveludado, recomposto
Goma de mandioca, tomates aromáticos,
Sal e pimenta-do-reino moídos:
Vida.

(Dominar é nosso opulento e medroso
Aparato de desgarrar-se
Da degustação direta
Do existir)

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