Acordo na manhã de sexta e ligo a TV. Dá azar acordar e ligar a TV, ainda mais numa sexta, dia 12. "O cartunista Glauco e seu filho foram assassinados na noite de hoje, por volta da meia-noite...". Como assim? Isso é notícia que se dê para alguém logo pela manhã? Foi um chute no estômago. Putz, e agora? (Aliás, putz se escreve com "s" ou com "z"?). Como viver sem a Dona Marta, Grinfa, Doy Jorge, Faquinha, Geraldão?!?
Decido não abrir o jornal. Não sei se deu tempo de os outros cartunistas saberem da notícia. Não sei se haverá uma tirinha do Glauco no jornal de hoje. Não quero saber. O Brasil acorda mais sem graça. Ou, como notou bem um seu amigo cartunista, bem mais "xarope".
O advogado da família fala na TV que ainda não tem nenhuma pista dos assassinos. Voz embargada, um arremedo de voz. Mais que uma relação profissional: não havia como não ser amigo daquele cara tão imperfeito, boa praça, humano e encantador.
A autópsia, por certo, não revelará a verdadeira causa mortis: vivemos, todos, num balão de pouco oxigênio, muita insegurança e impunidade, onde as baixas são os avatares cujo grito ecoa tímido sem ninguém por perto para ouvir. Glauco morreu para proteger sua família, mais importante que seus personagens. Seu filho morreu na tentativa de salvar o pai: que nele também circulava o mesmo sangue nobre.
Jandaia do Sul, Paraná, na antevéspera do surgimento dos Beatles, nasce, caipira, Glauco Villas Boas, em 1957. "Meu traço não é bom para retratar o futuro. Corro o risco de não falar a língua da moçada." Glauco também falava asnices, como se vê pela frase acima. Um remédio certeiro para tanta cabecismo e discursos vazios do meio cultural brasileiro.
Querida Dona Martha, você que sempre denunciou a chatice dos escritórios, da vida sem vida de muitas relações profissionais das repartições públicas e privadas, que sempre pregou sustos nos seus companheiros, mostrando os peitos enormes e cheios de amor para dar, me diga: como é que continuaremos agora? Você, estabanada, inconsequente, feia, inconveniente, sincera, mulher prá mais de um exército, me responda: como será o dia de amanhã?
Faquinha, do alto do morro, onde tudo vê, de onde se empanturra de cola de sapateiro e voa para a estratosfera em busca de um mundo menos pesado que sua realidade. Você que denuncia nosso descaso com os desvalidos, com os moradores de rua, com as crianças em situação de altíssimo risco, a violência e corrupção de alguns maus policiais. Você que está sempre à espreita do pior, tentando se abrir para uma cópia pirata de dias melhores: Como é que prosseguiremos?
Geraldão, maluco beleza, diz aí meu véio: cadê seu mano Doy Jorge? Cadê o Grinfa? Mas como vocês todos nos pedem para não endurecer?
Não dá para fechar a história... Hoje viveremos com menos leveza e com mais medo. De nada vai valer o apelo quintessenciado dos seus personagens em nossa memória. Nós, leitores, por sorte, tivemos a experiência de conviver com alguns de seus personagens viajantes, delatores da mediocridade e da hipocrisia, contrapontos da sem graceza do moralismo. Mas hoje, Glauco, que você não veio, todos temos o direito de chorar.
Querido Glauco: não sou cartunista, não sei desenhar. Mas imagino uma sequência curta de quadrinhos, onde seu filho Raoni Villas Boas te abraça no dia da formatura dele. Nas fileiras de trás, todos nós brasileiros. Mais adiante, seus amigos de tanto tempo de trabalho, desde 77, na Folha. Artistas, cartunistas, escritores, editores, gente comum, sua família. Na primeira fileira: os personagens da TV Pirata, da TV Colosso, Geraldão, Faquinha, Grinfa, Geraldinho, Carreira, Los três amigos, Zé do Apocalipse, Casal Neuras, Doy Jorge e Dona Marta: "Bravo!!! Bravo!!!"
4 comentários:
É com z, mas que importa né, pode ser com s já que nem existe.
Realmente, logo cedo e já é demais.
(too much for today). Me tira daquiiiii
Vejam também um tributo ilustrado ao Glauco:
http://universohq.blogspot.com/
Realmente uma pena...
Que fisgada no peito!
Calma, gente!
Estou espocando a silibina daqui de cima mesmo!!
Cês nem imaginam quanto!
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