(...nas primeiras vezes que estive em Sampa, achei tudo muito parecido com Gotham City, apesar de nunca ter estado por lá...).
Alguém terá escrito que a solução para São Paulo está numa espécie de integração de universidade pública e comunidade e em reverter os ganhos das novas tecnologias em benefícios para a esta última. Achei isto tão fantástico e absurdo que me aventurei a pensar sobre soluções para a cidade. Mais ou menos como Raul Seixas teria resolvido nossos problemas alugando o Brasil. Confesso, de antemão, que dei com os burros n'água.
Estas divagações passam pela experiência invulgar de conseguir visualizar a beleza única da cidade. Que não é exatamente beleza. É sensualidade. Desajeitada sensualidade, como as meninas deselegantes da música de Caetano, mas, por isto mesmo, atraentes. A falta imperativa de noção de conjunto, nos faz distanciar cada vez mais e mais para conseguir ter uma real visada panorâmica. Com a distância é mais fácil antever o futuro da cidade e o nosso mesmo. Serão indissociáveis?
Em épocas de enchentes, trânsito mais inacreditável que o caos habitual, ano eleitoral e logo após o aniversário da cidade, comecei a me questionar se é possível pensar em soluções para São Paulo. E já digo de cara: não, não tem mesmo jeito... Mas quem sou eu? Sou apenas um sujeito que mora em São Paulo, sequer nasci aqui. Mas é inquestionável que, mesmo interiorano, com o tempo, vai-se adquirindo sotaques e ares paulistanos. Desde o "meu!" até uma certa individualidade exacerbada que não se nota no interior. Faces do mesmo "Meu!". O fato é que dificilmente conseguimos soluções para os nossos próprios questionamentos, daí que uma delas é cuidar dos problemas que não teremos mesmo como resolver.
Mas vamos lá: inicialmente, é importante entendermos, nós paulistanos e todos os que o são por afinidade, que a cidade é um organismo vivo, uma mini-Gaia. Ou seja, perdurará, felizmente ou não, por mais tempo do que nós mesmos: o óbvio que nos assombra. Assim, descobrirá, com, sem ou apesar da nossa interferência, soluções que podem nos parecer incongruentes numa primeira visada, mas que encontrarão seu modus operandi no longo termo. Por exemplo: ainda que não consigamos interferir no regime de chuvas e nas consequentes enchentes e, desta feita, fazer a cidade escoar e fluir do modo como gostaríamos, o problema tende a se camuflar no longo prazo. Como? Mais pessoas tentarão organizar seu trabalho de forma compatível com o caos urbano, procurando viver em bairros e não em toda a extensão metropolitana. A convivência em bairros pode fazer com que as pessoas mantenham uma relação mais visceral com seus vizinhos, com o açougueiro, com o eletricista do quarteirão ao lado. Ao invés de 200 lojas Starbucks, o paulistano pode começar a apreciar o café feito de forma quase artesanal num pequeno empório, distante de sua casa apenas 10 minutos caminhando. Não teríamos que suportar todos os pequenos mercados virando "Pão de Açúcar". O teletrabalho pode ser, consequentemente, impulsionado. Menos trânsito, menos dinheiro gasto com estacionamentos e Zona Azul (para depois ser mal utilizado...), menos risco de violência nos semáforos. Mais tempo em casa para ler aquele livro que você comprou com a esperança de um dia ter tempo para folhear...
São Paulo pode não ser cidade para uma vida toda (e, geralmente, não é!). Mas para quem por aqui já passou é difícil imaginar ter vivido sem a experiência de ser paulistano. Muitas pessoas pensam em um dia sair da capital, morar na praia, deixar a loucura normal já que a beleza da música "Sampa" não é suficiente para iluminar a crackolândia, quem dirá tantos outros bairros esquecidos, violentos e violentados... Ok, que algumas pessoas possam, sim, mudar de cidade, levar o aprendizado de tantos anos deste ambiente competitivo para outras regiões mais privadas e que se beneficiariam enormemente da técnica de empresários, cozinheiros, advogados, webdesigners. Tão tangencial quanto realizável. O fato é que a migração para a capital já não é tão intensa quanto nas décadas de 70 e 80 e as pessoas já não tem o mesmo número de filhos (sem querer parecer neo-malthusiano, o índice de filhos por mulheres paulistanas é de 2,1, sendo que o necessário para manter a população estável é 2,3). Por outro lado, cidades como Fortaleza, Recife, Curitiba e Salvador têm disparado nos censos habitacionais das últimas décadas, fruto de uma migração cuja tendência recente é intra-estadual e não sãopaulo-rio-cêntrica. Ok, podemos soltar um catártico: Ufa!
São Paulo é uma cidade comparável. Longe uns 400 km de ser maravilhosa. Mas se parece com a cidade onde Severino foi criado, no interior do Sergipe. Tem um bairro e outro com cara de cidade pequena e do qual seus moradores se orgulham de fazer parte, como é o caso da Mooca e da Vila Mariana. Lá as pessoas continuam usando os serviços do sapateiro, seu Ademir, e continuam mandando seus ferros de passar roupa para o conserto. São Paulo se parece com algumas cidades italianas, quando você entra nas cantinas e ouve o barulho de bandejas de metal sendo propositadamente lançados ao chão (a diferença é que a pizza paulistana é melhor...) Tem um bairro extraviado de Tokyo. Segue o rumo de ser cosmopolita moderna de Londres e NY, mas de um modo latino-brasileiro. Teria a ginga do Rio, se não fosse tão tímida e tão apressada. Tem lugares tão violentos como Recife e Rondônia e tem Centro de Tradição Gaúcha. Só não se parece mesmo com Brasília e suas ruas todas planejadas para ninguém andar pela cidade. É um self-service de lembranças da infância, com gosto de suco de tamarindo: arde a boca em sua acidez disfarçada sob o manto potente das lembranças de todos os lugares quase paulistanos espalhados pelo mundo.
Um texto sem pé nem cabeça, ora com passagens de auto-relato, ora com estatísticas, cheio de absurdos e esperanças vãs? Se for sobre São Paulo, até que faz sentido. Ainda que tão sem sentido quanto aquela senhora que apareceu chorando no noticiário quando secou o lago do Parque Aclimação e ela se sentiu tão desterrada quando os peixes afogados no ar... Tão sem sentido quanto os paulistanos "da gema" que chamam de baianos todos os com sotaques diferentes do seu, e que sonham em um dia, passar quatro ou cinco dias por ano na atmosfera luminosa e temperada da Bahia - e ficarem muito loucos só para sair da loucura. Uma cidade que tem vergonha de cantar sua beleza, menina nova sob olhares indiscretos de marmanjos. E que se faz poesia pelo simples ajuntamento de suas belezas. Figo turco do Mercado Municipal, esfiha da Casa Garabed, pôr do Sol no Ibira, visto a partir da Sena Madureira, Parada Gay, passeio a cavalo na Serra da Cantareira, perambular pelas lojas de música da Teodoro Sampaio, perder uma tarde nos sebos do Braz, um show de Jazz num botequim desajeitado, um mega-show do AC/DC, a feira de flores, tantas feiras de rua, uma estação chamada Luz e uma senhora chorando os peixes afogados no ar...
5 comentários:
Que tal inundar um dos (novos)túneis do metrô e desviá-lo para o mar.
Seria especialmente útil se o mesmo túnel também trouxesse a praia até aqui!
Hamer,
Valeu a pena esperar pelos novos textos. São maravilhosos! Obrigada por nos convidar para tantas reflexões.
Beijos
Lu
Super legal toda poética, muito legal mesmo.
Só que, pra mim, paulistano da gema, afirmo com toda certeza: ESSA CIDADE FICOU UM SACO.....!!!!Dura de engolir.....!!!!
Alálas
Alaor,
É verdade! Está muito difícil mesmo de engolir, e fica na goela tão entalada como o trânsito... Fazê o quê? Escrever é um dos jeitos de tolerar a cidade. Bateria, certamente, é ainda melhor!
Abç,
Hamer
Postar um comentário