28.11.09

Já temos fobias demais!

Se não me engano, é num texto de J L Borges que vi a história do huno que, ao se deparar com a cidade a ser invadida e perceber a beleza e grandiosidade das construções, volta-se contra os seus e começa a combater pelos valores que aquele novo estranho mundo lhe apresentava.  Eis o momento de mudança da barbárie para a civilização.  
Sempre me recordo desta passagem quando vejo lampejos de intolerância na sociedade. É meu modo de manter-me esperançoso, como se toda a sociedade pudesse ter a mesma iluminação do bárbaro.
O problema é que tenho me lembrado deste texto com mais frequência que gostaria... 
Temos medos e fobias demais: pânico, aracno, agorafobia, medo de alturas, medo real da insegurança e da violência nas grandes cidades.  Medo do desemprego, do ridículo e fobia social. Medo do trânsito, da recessão, dos golpes e do leão.  Medo que o mundo acabe em 2012 e, pior ainda, que não acabe tão cedo.  Diante de tantos medos, para quê inventar outros?
Por que precisamos criar novos vilões que assumam o papel de alvo de nossos temores? Talvez por isto mesmo, para ficarmos com a parte boa que, deste modo, ainda nos caberia.  
Os vilões de hoje frequentemente são os gays e os dependentes químicos: são os leprosos do século XXI.  Contra eles se perpetram muitas das grandes atrocidades sociais de nosso novo milênio: são vítimas de estigma no trabalho, na escola, na família e na sociedade e de um desamparo assistido por todos.
Por isto é preciso de leis afirmativas e que garantam que tenham o mesmo direito de todos. Para os homossexuais, isto significa não só a aprovação da lei contra a homofobia mas também o direito de se casarem, adotarem, dividirem bens e testamentos, terem planos de saúde em comum, títulos de clube, etc.  Não adianta ser politicamente correto, é preciso ser juridicamente correto.  Mas não se trata de ser religiosamente correto, pois não há como ser religiosamente correto num país laico.  Não há como agradar a todos os religiosos que, aliás, deveriam cuidar do que lhes é caro: a existência de Deus, a igualdade e fraternidade entre os homens, o desapego de valores materiais e a aceitação de tudo o que foi criado pelo Ser superior.
Para os dependentes químicos, é preciso reduzir o estigma social e oferecer-lhes possibilidades de tratamento e reinserção social, reduzindo a propagando massiva midiática que os associa a crimes, violência e falta de caráter.  Oferecer cobertura de tratamento nos planos de saúde, incluindo internações pelo tempo que necessário for.  Dispensar medicamentos úteis no tratamento do tabagismo, alcoolismo e outras doenças, de forma gratuita.  Criar leis de incentivo fiscal às empresas que decidirem investir em contratação ou patrocinar centros de recuperação.  
O descaso da sociedade é grave e desumano e é preciso mudar com urgência: faz-se dispensável que os homens e mulheres de bem - homo ou hetero ou qualquer outra orientação - compreendam "o que ocorre na cabeça destas pessoas".  Se cada um compreendesse o que vai na sua já seria um grande ganho.  Não é preciso compreender, mas aceitar.  É imprescindível e urgente tolerância, o que significa, em sua acepção máxima, que sejamos capazes de celebrar a diferença e compreender como historicamente válidas as construções pessoais diversas das nossas do mesmo modo que celebramos as semelhantes. 
Nossa recompensa será ter um mundo onde valha a pena - para o maior número possível de pessoas - viver.  Não teremos dignidade, como nação, antes destes próximos e essenciais passos e viveremos no medo constante de que os próximos leprosos sejamos nós.

4 comentários:

CHIKO disse...

Parabéns Hamer! Texto excelente, lúcido, uma gota de sanidade num oceano de bestalidade social. Grande abraço, Chiko sou amigo do Iuri https://twitter.com/chikopenha

Unknown disse...

O huno chamava-se "rei"Átila (originados da Ásia Central), aliado a outros povos conquistados. Ninguém sabe porque nos portões de Roma não a invadiu. A única verdade é que o papa em "exercício" (não lembro o nome) teve um encontro com o invasor, sendo que a Igreja Católica considerou um milagre e prova da aliança de Deus com o império romano. Também é certo que Átila estava ferido e doente, suas tropas cansadas e combalidas. Acho que a verdade está num meio termo. Com certeza, a grandiosidade e beleza da cidade teve alguma influência, porém normalmente os bárbaros da era Romana Cristã tinham afinidade pelas cidades e Igrejas grandiosas, pois queriam saque (ouro, terras e mulheres). Porém, ninguém sabe. Por outro lado, nem a mágoa germânica fez Hitler destruir (como poderia facilmente) Paris (também ajudou o colaboracionismo francês com os nazistas).
Bjs no coração. Sou seu fã.

UncleLelê.

Fernando Chuí disse...

É, Doc, e todavia eu penso que aceitar é pouco.
Aceitar parece com tolerar, ainda beira o puro preconceito. O bom será quando pudermos apreciar a diferença.
Imagine alguém que, em sua casa, não tem laços afetivos, não é apreciado, apenas "aceito" como diferente.
Qualquer convivência que que não contenha o gostar jamais será uma verdadeira aceitação. A tolerância preserva o germe da guerra.
Mais do que compreender e aceitar, precisamos aprender a gostar daquilo que tudo "que não é espelho". Talvez percebamos neste dia que tudo é, sim, espelho.

Hamer Palhares disse...

Chuí,

Tem razão, é preciso mesmo mais que aceitação, que é um estágio transitório e ainda perigoso.
Precisamos de apreciação.
A esperança é que a cada dia mais pessoas estejam prontas para isto.